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quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Sobre Pontes e obturações

 Quando em meus exercícios de imaginação, nas horas de ócio pelos quais me culpo, deixo a mente deslizar e imagino-me frente a frente com meu eu.

Um Luiz, abstrato e físico, tal como eu, um conceito de qualquer coisa humana.

Ali estaria eu, ante meu doppelganger, um eu clonado à imagem e semelhança do meu tédio.

Naturalmente, entraríamos em franco ato de pugilato, coisa terrível à vista de almas sensíveis, e eu desferiria socos sobre socos na boca que nunca consegue ficar inerte sem emitir opiniões e partiria a disparos de voadoras todos os ossos do meu corpo outro e do meu difícil ofício de ser humano..

Ato contínuo, eu destruiria os meus precários dentes a pontapés, alegre, embriagado de violência e desforra, absolutamente esquecido do quanto me custaria na contabilidade do dentista todas aquelas pontes, implantes e demais obturações, para que eu pudesse continuar a me dar o prazer fugaz de comer azeitonas.

Oh, que maravilha seria poder represaliar a mim mesmo de todas as vergonhas e constrangimentos, de todas as paixões e febres da alma...

Nesses exercícios, quase sempre vejo a mim, este quase cinquentenário a destruir o menino tolo que fui, sempre encantado por tanto que ignorava sempre a distancia que havia e ha entre o que é e o que era o seu desejo que fosse.

Aquela minha alma de menino ardia e forjou nessas labaredas as lembranças que hoje retorcem-me as entranhas de pesar, raiva e culpa.

Vendo-me hoje vergar as costas, coração e motivos, pelas mesmas forças que me moviam ha tanto tempo, sentindo a perdição em devaneios meus que não ressoam no real, os nervos aflorando em busca do nada, criando como uma criança, fantasias (bem mais coloridas do que esta na qual me atraco em homicídio-suicídio de mim mesmo, mas tão frívolas quanto), sinto uma revolta surda contra meu eu ja velho e implacavelmente tolo.

Que ridículo!

Então minha perspectiva recua ainda mais, torno-me ainda mais alheio, observando a essa imaginada batalha de mim comigo mesmo,  e esse outro, terceiro eu, agora observador da lide auto-imposta, vendo o embate, talvez torcesse para que o eu mais jovem, ciente do que se tornaria na figura do seu adversário mais velho e absurdamente irado, talvez encontrasse forças o bastante e levasse à morte a triste versão de si mesmo na qual inevitavelmente se tornaria.

 É viver o bastante para considerar-se um ser absolutamente repelente.

domingo, 11 de setembro de 2022

Ensaio sobre a dúvida e outros vícios

 ...e naqueles momentos em que consigo colocar a cabeça pra fora do lodo da auto-culpa e fico um tanto sóbrio das carraspanas de autopiedade, me atrevo a me imaginar uma pessoa cuja opinião seja relevante o bastante para que alguem gaste os olhos a lendo.

Passo muito tempo com os dedos inertes neste teclado, olhando para a tela procurando intimamente argumentos que me convençam de que ainda há algo que valha ser dito.

Algo que eu me atreva verdadeiramente a dizer.

É sempre mais fácil colocar a alma nua diante de estranhos cujo julgamento a gente não teme do que confessar pra si mesmo que aquelas pessoas mais próximas te colocaram dentro de um modelo no qual a sua fragilidade humana vai, decerto, decepcioná-las cruelmente.

Os estranhos, aqueles que te leem em lugares alhures (supondo-se, é claro, que alguém o leia), podem olhar com simpatia para suas incongruências e colocar seus sonhos e pesadelos na esfera da literatura. E com tais devaneios, no conforto dessa desculpa, me permito derramar meus inconstantes escritos neste espaço e, ao mesmo tempo em que diminuo a necessidade de sentir o que escrevo, posso ampliar através dessas letras, o universo íntimo de quem me lê.

Se não pensasse dessa forma, a culpa de tudo e de nada que me deixa uma sensação de podre na alma, não me permitiria escrever.

No último ano, a vida deu uns saltos. 

Passei em um concurso do judiciário do meu estado e tive que sair de Belo Horizonte e vir morar em uma cidade do interior. 

Moro há uns três quarteirões do Fórum, para onde vou a pé em caminhada tranquila e onde dou expediente de seis horas para receber de salário cerca de duas vezes o que eu recebia em meu antigo trabalho.

Haveria de se esperar algum senso de realização pessoal nisso, porém, receio que haja mesmo uma classe de criaturas que não foram talhadas para estarem satisfeitas e que eu pertença a essa fauna lamentável.

Em minha defesa só posso afirmar que sucesso material nunca foi o meu alvo na vida, embora eu esteja ciente de que minha situação agora confortável, está aquém do que eu poderia ter alcançado se não tivesse a mente constantemente atolada em um charco emocional.

Vou completar 49 anos em dezembro e seria redundante dizer que me sinto velho e cansado, embora fisicamente eu pareça (na opinião alheia) uma pessoa com trinta e poucos.

Sou redundante.

Me sinto velho.

Me sinto cansado.

E depois dos trinta e cinco anos, todo ser humano está mais perto do dia em que vai morrer do que do dia em que nasceu.

É uma conversa lúgubre, eu sei. 

Mas só garotos cuja idade ainda não completou uma "trintena" podem se dar ao luxo de fingir que são imortais e deixar conversas sobre a morte para os filósofos e os velhos decadentes, como eu sou nos pensamentos e sentimentos.

Em 2018 eu comecei a experimentar fenômenos psíquicos que abalaram todo o meu sistema de não-crenças.

Tive e documentei muitas experiencias neste sentido e tendo vivenciado o que eu vivi, não seria honesto da minha parte me agarrar a um ceticismo obstinado e eu substituí a certeza de nada haver depois da vida física se encerrar por uma dúvida saldável.

Não existe morte. O que existe é o encerramento da vida física. Eu não acredito. Eu sei. E saber é melhor do que acreditar. Embora eu esteja ciente de que este saber em mim parecerá a olhos outros mais uma crença.

Se me aprouver, contarei minhas experiencias aqui, pois quem sabe não seja útil a outros como as de outros foram úteis a mim?

Não tenho mais medo de morrer. Se é que algum dia tive. E gostaria de dizer que não tenho também ansiedade neste sentido, mas isso não seria coisa honesta de se dizer.

A vida tem sido uma carreira de dissabores que compuseram muito do que penso e do que sinto, me dando uma natureza até então, irremediavelmente melancólica e embora existam pessoas a quem amo além do que posso descrever e eu tenha tido os meus bons momentos, não vou lamentar quando essa aventura chegar ao fim.

O que me deixa realmente amedrontado, é não ter vivido a vida que deveria ter vivido e se não o fiz, não foi por falta de desejo de a viver, mas por estar profundamente ignorante do que afinal seria essa vida. 

Não quero partir tal qual eu nasci, com medo, ignorante e sozinho.

Sinto necessidade de descanso.

Mas não sei dizer se haverá descanso ou o início de outra jornada, mas espero ao menos, não levar comigo nessa nova viagem a bagagem pesada dos meus atuais pensamentos.

Talvez por estar ciente de que me aproximo pouco a pouco do desfecho do que quer que seja a vida, eu a tenha tornado uma coisa mais responsável, como se cada ato meu tivesse de ser uma linha do tecido que comporá a minha mortalha.

Sim, estou me sentido absolutamente velho e cansado, mas de alguma forma misteriosa, a percepção deste cansaço tem tornado também o tempo que me resta algo de precioso, pois eu não tenho mais tempo a perder com "vinhos e velas". Preciso ir direto ao ponto;

Urge que eu faça o que preciso fazer, o que é de minha natureza fazer. O que é o meu projeto de vida, esquecido em meio a esse turbilhão de carências e receios em que manquei ao longo de quase meio século.





quarta-feira, 2 de março de 2022

RETICÊNCIAS - Alvaro de Campos

Organizar a vida... 
Pôr prateleiras na vontade e na ação. 
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado; 
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa! 

Vou fazer as malas para o Definitivo! 
Organizar Álvaro de Campos. 
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é sempre... 

 Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei. 
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir... 
Produtos românticos, nós todos... 
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada. 
Assim se faz a literatura... 
Santos Deuses, assim até se faz a vida! 

Os outros também são românticos, 
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres, 
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar, 
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos, 
Os outros também são eu. 

 Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente, 
Rodinha dentada na relojoaria da economia política, 
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios, 
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida... 

Olho dos papéis, que estou pensando afinal em não arrumar, para a janela por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela, 
E o meu sorriso, que ainda não acabara, acaba em metafísica. 
Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar, 
Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando, 
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta... 

E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema... 
Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Destes pedaços de Luiz que Vou largando Enquanto me perco - ou sobre uma tela em branco

 

Paralisia súbita, nos dedos e nas ideias, enquanto olho impassível a tela em branco. 

...

"Que diabos estou tentando fazer?"

É difícil dizer honestamente o que move a maior parte das nossas ações. Só o ato de pensar nisso já nos paralisa.

Como agora ha pouco, diante da tela em branco.


Olhei o vazio na tela e pensei:

"Que lindo! Imagine esse nada magnífico na cabeça e nas artérias". 

Senti um calafrio agradável e involuntário deixar minha pele arrepiada enquanto navegava neste devaneio...

Mas não. O niilismo barato não vai me salvar no dia de hoje.

E então os dedos se movem e lá vou eu, tanteando no escuro e no teclado, deixando mais fragmentos de minhas dúvidas emporcalhando a existência...

As vezes fico furioso e nostálgico... Saudoso, não de situações e nem necessariamente de pessoas, mas da época em que eu me iludia de que no fim, conseguiria inferir algum sentido nessa loucura chamada "vida". 

O fim se aproxima, vou descrendo de tudo e sinto saudades do meu otimismo militante e fanático.

No entanto, um dos resultados trágicos do amadurecimento é a perda da capacidade de se auto-iludir. 

Abala mais do que rugas e dores nos joelhos.

Gosto de pensar que sou movido por motivos nobres ou virtuosos, mas como fugir da sensação amarga de que na verdade sou só mais um animalzinho assustado com medo da noite, com a barriga roncando de fome, procurando me aquecer e atender a urgência do cio?

...

Tenho evitado ler ou conversar com pessoas que amo e admiro, porque sei que tudo o que vou pensar em seguida, qualquer coisa que me saia da boca ou dos pensamentos que enxameiam o meu cadáver cerebral, será então um diálogo íntimo e intuitivo com essas letras e com essas pessoas. 

Traçarei a linha das minhas ideias reagindo por dias com lirismos alheios e vou afirmar envaidecido pra mim mesmo, que sou qualquer coisa de extraordinário como pensador, enquanto meu desamparo debocha e afirma o contrário... 

Quando na verdade, minha maior ambição seria não pensar em nada. Não reagir a nada. Ficar tal qual essa tela que minutos atrás estava limpa das contradições cansativas que nela digitei.

Quando tudo parece encolher como em um outono perene...

Quando na verdade tudo no mundo me confunde  e eu ainda que eu ame, já estou meio farto de amar as pessoas de maneira tão súbita e ardentemente. 

E me pergunto se alguém já esteve realmente farto de amar ou se foi só uma  maneira melodramática e menos poética de dizer que "o meu cansaço é um barco velho apodrecendo em praia deserta..."

Além do mais, amor não solicitado dificilmente é bem recebido ou valorizado (se tolerado)

Talvez pensando nisso, andei relendo algumas coisas que escrevi ha mais de uma década atrás, época em que eu ainda me permitia apaixonar pela ficção que eu criava das pessoas e só o diabo sabe como me diverti lendo aquilo.

Já consigo olhar com simpatia para o moleque de  trinta e poucos anos que eu fui (o que já e um avanço), mas não consigo fazer as pazes com minha versão de cinco anos atras e sinto um rancor profundo da pessoa que eu era na semana passada.

Talvez eu possa concluir disso que provavelmente  daqui a 12 anos (Deus!), aos sessenta anos serei indulgente para com este ser por quem agora sinto exagerada repulsa, mas é quase certo que nesta mesma época terei pensamentos amargos sobre mim mesmo aos cinquenta e tantos anos.

Acho que na verdade, se vivermos o bastante vamos concluir que nunca somos o que queremos ser.

Só reinventamos o personagem que até ontem interpretávamos e seguimos o roteiro da vida que nos convenceram de que era a nossa.


Agora são 16:21

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