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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Poema que Correu Fora da Realidade

 


O que há de real e verdadeiro,

há, de real e de verdadeiro,

Ainda que fora da minha percepção.

 

Filosofando versos para a escuridão sem rima, 

Me esquivo dos cumprimentos polidos de toda a gente de alma pálida,  que me quer banal e citadino.

(Se ao menos um visse que na escuridão dos meus olhos ardem estrelas…)

Naquelas horas  de êxtase místico, contando as batidas do meu coração em descompasso ou 

desenhando a rota dos pássaros em voo, eu resisto.

Existindo no esforço de existir.

Relativizando o nada.

O mesmo nada, tão vasto e tão amplo quanto o tudo.

O tudo que há, de real e de verdadeiro.


É a musa intangível, que meus devaneios querem humana,  para calar as necessidades de literatura.

É Deus inexistindo ou existindo como coisa que não compreendo,

(como não o compreendem os que o pregam em latim ou o apregoam como coisa que se venda)

Pairando como mistério  inescrutável acima das minhas orações sem fé, 

Mas reais e verdadeiras.

Os meus medos, esses são imaginados e por isso mesmo, ainda mais terríveis.

E eles doem, como a culpa daquele que quis pecar e não pecou e sofre com a certeza 

de que lhe bastou esse querer para o condenar,  

mas sofre  ainda mais pela delícia não vivida do pecado desejado mas não cometido.

 

E, talvez um pecado cometido,

Seja mais real e verdadeiro do que uma virtude que não nasceu e ficou só na intenção de ser nobre.

 

 

 

Arte: Alexander Ant, via Pexels 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

O Problema do Copo 2- (ou de como uso utensílios domésticos para forjar delírios)


 

O copo é outro, claro, eu porém, penso ser o mesmo ou, no mínimo, reconheço-me  nesses fragmentos que ficaram daquilo que eu fui. 

Renovo o meu Eu antigo dando-lhe polimento  e reestreio velharias psicológicas no afã de forjar do mofo  algo que seja novo e reluzente.

Mas a questão que me paralisou, foi que eu bebi do copo muito menos agua do que usei momentos depois, para lavar o copo no qual bebi. 

Absurdo e absorto, fiquei feliz e triste pelo dilema que iria me consumir nas próximas horas e pela água que desceu pelo ralo em maior abundância que pela minha garganta.

Os paradoxos, são o meu brinquedo favorito para passar as horas de ócio meditativo.

Uma criança a brincar com cacos de vidro e lâminas de barbear.

"Para inicio de conversa - pensei enquanto lambia o sangue dos dedos e recolhia os cacos do chão - , eu nem mesmo estava com sede de água, mas de metafísica e de poesia."

E mais ainda -  será que o que ainda em mim há,

Há de querer o que não há mais em mim? -

Não tenho o bastante que me inspire a ser generoso, 

Mas bem posso compartilhar ausências e dividir meus hiatos.


"Mas como me falta o que quero e o que tenho não me preenche, 

estou cheio de insuficiências, 

repleto de vazio e transbordante do desejo de estar cheio."


A terra girou tantas vezes em torno do sol e eu, sem eixo, em torno de mim mesmo,

E nem entrou na minha contabilidade líquida, 

As lagrimas que verti, (tolo e comovido com a própria tolice),

Quando pensei no oceano que lancei pelo ralo,

Nos meus atos de higiene equivocada.


terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Insone 2


Coloco  um copo de água no batente da janela.

Olho para a noite abafada que não me olha de volta.

E, na coletânea de pequenos mistérios que compõem o vitral dessa vida imensa, acresento mais este; de como é possível que as duas horas da manhã ainda esteja fazendo calor, nessa terra paralisada e sem vento…


Quente demais para dormir e quente demais para ficar acordado.


Eu estava lá, ainda agora, imerso na perfeição de um sonho. 

Era uma Ágora composta de muitas versões de notáveis raciocínios.


E tudo me estava tão claro, coeso,  límpido como um espelho novo.

Dialogava em lógica perfeita, fria, desapaixonada, desinvestida dessa voracidade e urgência que parece permear todos os meus pensamentos em febre.


E me vinham filosfias - agora perdidas - tão lúcidas, alinhadas, confortáveis como o zumbido de uma máquina que se sabe, em perfeito funcionamento.


No limiar do sono, entre aquele mundo das formas perfeitas e este, em que tudo me dói,  recusei-me tão veementemente quanto me permitiu o cavalheirismo a que eu estava investido, na confraria elegante do meu parlamento onírico, a tornar a este mundo estático de pensamentos rodopiantes.


Mas privado da tenaz ferocidade com que defendo e ataco pontos de vista a vista dos pontos que se me apresentam nesse mundo, deixei-me persuadir pela lógica implacável daquele lugar, e deslizei de volta, relutante e dócil, pra este mundo insone e ilógico.

(Quente, meu Deus!)


E tão implacável quanto a milimétrica lógica na qual instantes antes eu embalava um sonho, a realidade desse mundo desabou sobre mim, lançando sobre meus olhos e sentidos, uma coritina de confusão.


Tento organizar a algazarra dos meus pensamentos em louca debandada e em atropelo; uma manada querendo passar todos ao mesmo tempo pela porta estreita da percepção, tendo atrás de si sentimentos terríveis (sempre esses malditos sentimentos terriveis!) a tanger-lhes para dentro e para fora.


(Deus, que calor! Por que é que nunca venta nessa cidade?)


Instantes atrás, dentro de compartimentos organizados nos sonhos…


Tudo o que eu pensava estava  coreografado, impecavelmente coordenado. E em uníssono acordo, polidos, políticos e éticos, esses muitos pensamentos que enxameiam agora o ar como moscas repelentes, estavam arquitetados como fileiras de átomos e eu lhes podia chamar por nome e os reconhecer como filhos, embora fossem milhares.


E essa queda, para a clivagem, para a ruptura, um exercício de catar pedaços de si mesmo chamado Vida Desperta foi acertada por um conclave que, quando deliberou me pareceu tão lógica…


Mas então aqui,  na janela, no ar quente e parado, fitando uma noite quente - e de alguma forma imunda como um pesadelo, sem barulhos noturnos, sem sons de grilos ou sirenes ou qualquer som que denuncie a vida - uma noite que não é carinhosa e cheia de mistérios como era na minha terra, organizo-me minimamente e ao tentar deslizar de volta e sem muita expectativa, para um sono sem sonhos, me pergunto...


Se é sensato que um homem deposite toda a sua esperança na mutabilidade impossível de um passado inevitável.

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Aqueles Dezessete Segundos...



Ficou surpreso quando percebeu-se ainda irresponsavelmente sonhador…

Pensava já ter perdido em algum canto da memória ambas as capacidades; a de sonhar e a de se surpreender.

Talvez lhe devessem jubilar na vida, pois há lições que ele obstinava-se a não aprender e apreender, ainda que lhe fossem dura e constantemente ministradas, vez após vez.

Vai saber o que move a fé de um homem sem fé em si mesmo…

Os dias escorrem monótonos por semanas que se arrastam lentas, dentro de meses congelados nos anos inertes…

Dezessete segundos…

Um estremecimento dos sentidos, uma fragilidade diante da própria fome de tudo, e lá está ele a espera de um momento de êxtase, um orgasmo físico ou moral qualquer que lhe fulminasse e deste modo pudesse descer o pano da sua vida em um instante de arrebatamento sensorial.

Entre os nacos do quinhão do amargo tédio nosso de cada dia, ele conta momentos, passando o tempo no esforço de passar o tempo, a espera do intervalo da vida, naqueles segundos.

...

A dança caleidoscópica dos corpos havia terminado e cada qual, lado a lado, experimentava absorto a sensação de paz perfeita decorrente do cessar dos gritos famintos dos hormônios. 

Um silêncio dos sentidos que durava sempre, exatos dezessete segundos.

Dezessete segundos de paz inebriada.

Ele deixa a mão escorregar para o chão, os dedos a tocarem de leve no piso frio, e a mente vagar, na batida do coração na ponta dos dedos, uma fantasia delicada de que não é seu corpo, mas o planeta que pulsa e vibra suave, enquanto ele luta para não escorregar para um sono gentil.

Um sono do qual ansiava intimamente, não precisasse mais despertar.

“Se eu dormir agora, corro o sério risco de acordar e ver nos olhos dela a decepção e a certeza de que me tornei um clichê.”

Ele não queria parecer insensível e pensava sim que era coisa absolutamente linda e desejável ficarem abraçados no escuro. Que modo há de encarar o escuro, senão o de estar entrelaçado no amor do outro?

Ainda assim, esperava que ela lhe desse aquele momento.

Aquela pausa de si mesmo e de seus medos futuros de solidão pretérita.

Se ele pudesse, escorregaria para dentro daquele instante que havia entre o tic e o tac do relógio, o momento do tempo real, pois cada parada do ponteiro, era um momento que já se foi.

Cada momento lembrado é um momento morto para além do tempo.

Menos ali, naquelas batidas cada vez mais lentas do coração na ponta dos dedos, não mais o seu coração, mas o coração do mundo.

Se ao menos pudesse...Ele se perderia voluntariamente ali.

Existiria dentro um instante que fosse eterno, não como coisa que passou.

Pois todo o tempo que se tem é sempre o tempo que já passou.

Menos aqueles dezessete segundos.




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