Translate

domingo, 23 de julho de 2023

Cartas de Lugar nenhum - 4




 Querido Voce....

Hoje me veio a mente a ideia de que estar vivo, é um exercício de estranha magia...

Supor que estou vivo, tem sido a minha salvação neste ermo sutil. 

Pois ainda que não saiba de onde me vem o pensamento de que a vida é transitória e finita, agarro-me qual naufrago a essa ideia, pois se me soubesse morto, não conseguiria manter a esperança da transtoriedade da minha situação.

Os dias têm se tornado longos demais. 

Demasiado semelhantes uns aos outros, sinto-me agrilhoado a essa repetição de nada.

As noites, igualmente longas e monótonas, não trazem repouso, mas um sono inquieto, sonhos confusos e ao amanhecer, o constante choque de ainda estar atado a mim mesmo.

Nesse lugar estático, chamado vida, sinto a satisfação oscilar inconstante, como algo que rasteja entre o tédio e a ansiedade.

Após um tempo, a memória indistinta trai minha  lógica em dança ensandecida. Dou rodopios mentais, querendo sentir neste movimento, uma sensação qualquer de vida que me distraia.

Poderia o aceno da loucura ser tão algo tão sedutor?

Esquecido até de mim mesmo, consigo pensar que são meus estes meus pensamentos, essas palavras pensadas em uma lingua que não criei, como não tenho criado nada além de espanto e choque,  e que muito possivelmente me vieram da leitura de livros ou de conversas antigas com gente mais sábia e mais antiga do que os pensamentos e palavras com que me distraio...

Tomando como naturais absurdos quotidianos, questiono minha sensibilidade. 

Questiono minha capacidade de questionar .

Supus, após meditar um tanto displicentemente, que essa montanha é uma metáfora para a minha solidão. 

Que, talvez,  todas essas montanhas no entorno da minha plerpelxidade, para as quais tenho gritado sem que delas me retorne sequer eco, são tambem o sígno da solidão de outros, tais como eu, sozinhos, retidos no sonho estranho de estar existindo.

E neste ato, de prestar atenção, aprender, apreender, supor, imaginar, refletir e depois lançar ao ar todo o saber que me deixa na boca o gosto amargo da consciência da minha ignorância, permaneço em transe.

E então sinto, nas bordas do meu eu,  a formação do paradoxo incrivel, a saber, que o conhecimento não só não me libertou, mas aprisionou-me de maneira implacável ao saber de não saber absolutamente coisa alguma.

Onde quer que esteja, espero que esteja lidando melhor do que eu, com a troca de olhares com o abismo nosso de cada dia.


Atenciosamente, Eu.


Nota ao pé da página (um eco de dias idos):

Tenho experimentado grandes ausências de mim , hiatos de tempo em que passo os dias a deixar passar os dias, intuindo por entre esse vazio se não me perdi em uma grande fenda qualquer que me deixou nesse limbo de onde escrevo a você mais uma vez o meu desamparo.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...