Foi um sonho do qual não tenho
certeza de que despertei e de idêntico modo,
não estou certo de que tenha dormido para o sonhar.
Sonhei que eu era Deus.
Fiz o universo em seis dias e vi
que era bom o que tinha feito.
No sétimo fui dormir e acordei na
manhã do oitavo dia com um excelente bom
humor. Me espreguicei, e foi então que pensei: “É hora de trazer o Armagedom!”
Então desci a terra e fui buscar
o homem mais santo do mundo.
Por acaso era um corretor de Wall
Street e quando o arrebatei, ele sorriu surpreso e desapareceu, porque eu o
absorvi de volta a mim. Depois fui buscar os outros santos. Religiosos de todo
tipo, monges, filósofos, sábios, loucos...Recolhi todos os tipos de santidade que
encontrei na terra. Olhava-os nos olhos, sorria e os trazia de volta a mim,
absorvendo a totalidade do que eram e eles desapareciam surpresos como o
primeiro, porque junto com eles, busquei todos os outros da terra. Os virtuosos e os canalhas, os éticos e os facínoras, os assassinos, as vítimas,
os maus e os bons, os puros e os perversos... Todos os homens, todas as
mulheres, crianças, velhos e jovens e os fieis junto com os incrédulos...
Arrebatei
a todos de volta a mim. Todos sem exceção e eles desapareceram, imersos na minha consciência.
Daí fui desmontar em um dia o
que levei seis para fazer. Absorvi de volta tudo em que respirei vida. As
plantas e sua seiva macia, os mínimos micróbios e os grandes monstros,
cachorros com suas pulgas, pássaros em voo, peixes no mar e nos aquários, animais
selvagens e domésticos e cada folha de grama e cada flor e fibra do campo, o
joio junto com o trigo e cada vida escondida nos remotos da terra.
Desci mais um pouco, e retirei a
força das pedras e a consciência profunda das rochas e o calor furioso do
magma. Extingui meus vulcões e suguei os oceanos de muitas águas.
E então desci ao inferno e
apaguei também os seus fogos e comecei a absorver todas as almas perdidas que ali
penavam. O diabo, é claro, protestou veementemente contra o que considerou uma “ingerência”
em seus negócios, mas não por muito
tempo, porque o absorvi também, mesmo em protesto.
Encrenqueiro, burocrata e rebelde
até no fim...
Repeti o processo em todos os
mundos, em todos os planetas do universo e então, uma a uma fui apagar minhas
estrelas e nebulosas. Tirei o tampão da pia do universo e tudo redemoinhou de
volta para mim. E tudo parecia surpreso e tudo parecia atordoado quando me
olhou nos olhos pela primeira e ultima vez.
E depois, naquele espaço escuro
sem trevas, retirei meus anjos,arcanjos e querubins das prateleiras e eles
vieram em fila para que eu os absorvesse de volta a mim, um após outro.
Logo, restei apenas eu e os meus avatares
e personificações dadas pelos homens. Então absorvi de volta a estes meus eus: Shiva e Baal, Mitra e Heimmdall, Ogum e Anúbis,
Epona, itzamna e Astorete...
E muito outros. Deu trabalho! Mas
finalmente havia acabado.
Sem mais multiplicidade... Sem mais incompletude...
Apenas uma infinita calma e por
fim, comecei a absorver a mim mesmo e a apagar a minha consciência em espiral para dentro. Fui para a longa
noite.
Eu disse: Faça-se o silêncio.
E houve silêncio